domingo, 8 de abril de 2012

Isso é Jornalismo! (45)

Já muitas vezes falamos sobre como Maradona criou, além de sua genialidade nos campos, uma perniciosa associação ao povo argentino. E está cabendo a Lionel Messi manter um e modificar outro dos papéis de Diego: dar sequência à canhota furiosa e os gols mágicos, e mudar a imagem do povo: antes associados a arrogância, desrespeitos e até mesmo ilegalidades, com Messi podem ser vistos como humildes, gentis e determinados.

É esse o tom de um texto publicado no jornal "El País" - o maior da Espanha - assinado por um jornalista argentino. Pode-se encontra o texto original no link, e abaixo colocamos a tradução, publicada no "Jornal Brasileiro Gratuito".

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Messi, o argentino diferente.

Messi, o argentino diferente (*). Messi é o argentino diferente. Se um argentino é um italiano que fala a língua Castelhana, Messi é o tipo de argentino que poderia ser inglês ou holandês. É difícil delinear essas características, sem cair em clichês ou preconceitos. Deste ponto de vista, um argentino (ou talvez deveríamos dizer um argentino de Buenos Aires: “porteño”) de caricatura é um tipo arrogante, chorão, astuto, gritão e enganador. Parece ser um personagem da comédia italiana. Por exemplo, tantos “caras de pau” como os que costumava interpretar Vittorio Gassman ou Alberto Sordi.

Por outro lado, Messi é um argentino tranqüilo, disposto, educado, calmo e digno, humilde e sereno. Existem outros "Messis" entre os argentinos? Sim, há muitos. Não sei se a metade, mas certamente muitos. Não são gênios do futebol, mas eles são artistas, atletas, ou homens de qualquer meio que praticam a sensatez e a discrição. Por exemplo, o treinador nacional Alejandro Sabella, atores como Alfredo Alcon, bailarinos como Julio Bocca e políticos como Hermes Binner.


Cada vez haverá menos “Maradonas” e mais “Mesis”. Maradona, o selvagem, o louco, o imprevisível, seria hoje re-socializado. Agora não há lugar para os loucos. É verdade que esta transformação, que vai desde o jogador em estado de matéria prima ate o craque da mídia de hoje, não é algo novo, pois Jorge Valdano, contemporâneo de Maradona, esta mais perto pela sua discrição, do Messi que do Maradona.


Barcelona e Nápoles são cidades de grande proximidade geográfica, mas de natureza muito diferente. A primeira é a cidade da ordem, harmonia urbana e da abundância com estilo. A segunda é uma cidade de paixão e loucura: sob o império insensato “berlusconiano” vive sua total decadência e encontra-se esmagada pelos escombros. Maradona, que fracasou em Barcelona, triunfou em Nápoles, onde ele é e será ídolo. Lionel Messi começou a jogar pelo Newell Old Boys, clube fundado em 1903 pelo mestre inglês Isaac Newell’s, mas se tornou o “Messi” no Barcelona Football Clube, fundado pelo suíço Hans Gamper, em 1899.

Maradona nasceu no Policlinico Evita, em Lanus, e foi criado no humilde bairro Fiorito. Estes lugares são o coração da vasta rede urbana de Buenos Aires que com 10 milhões de habitantes, muitos deles morando como em “barracas” (metáfora..), sufocam a moderna Buenos Aires. Em Fiorito, ate a ultima “erva daninha” é peronista. Por isso, os Kirchner utilizaram o Maradona (com o seu consentimento ativo) na fracassada aventura de fazer do futebol um meio do clientelismo político. O oposto é a assepsia do Messi, que, protegido pela rede institucional do Barça e pela inteligência de Guardiola, permanece alheio a essas “lamas”.

Las Heras, terra natal de Messi, está longe de Fiorito. Las Heras é bairro de classe média no sul de Rosario. Ambas as cidades são muito diferentes. Buenos Aires é o gigante Golias, tumultuoso e ingovernável. Rosario, a cidade que cresceu tranqüila ao longo do grande rio Paraná, é mais modesta. Rosario, por ser carente, não tem nem mesmo fundador, que a torna única entre as cidades da América espanhola, algo que guarda zelosamente a sua cena primitiva: o conquistador plantando a cruz e a atravessando com sua espada.

Rosario foi se fazendo sozinha aos poucos a partir de um porto de trânsito utilizado pelos cargueiros que desciam pelo Rio Paraná em busca do Rio de la Plata e a saída para o mar. Essa cidade modesta teve sua expressão política: Rosario é governada há anos por prefeitos socialistas sem que o peronismo extrovertido e confuso possa ter entrado nesse canto para ganhar.

Rosario tem muito a ver com o futebol que corre pelas veias de Lionel Messi. Porque, independentemente da identidade política da cidade, há uma identidade de futebol na cidade de Rosário, dividida em duas famílias de genes irredutíveis, “montescos e capuleros”: os “leprosos” de Newell Old Boys (entre os quais estava o menino Messi) e os “canallas” do Rosario Central. Mas ambos cultivam uma bela raça com fino estilo, simbolizada por estrelas da bola como Cesar Luis Menotti ou Santiago Segura.

Barcelona era a cidade para o Messi e o Barça era seu clube. O Barcelona Futebol Clube é uma instituição tão grande que quase parece um próprio Estado. Se assim for, seria mais parecido a um cantão suíço que a uma “república bananeira”. La Masia é a marca de algo que é mais do que um clube. O Barcelona do Barça é a quintessência do seny (a sensatez), mas no campo Messi mostra o reverso do seny, “la rauxa” (explosão).

Alguns fãs da Argentina se resistem ao Messi. Eles expressam a selvageria que prevalece no mundo do futebol argentino, que é a terra da corrupção e da violência. Nos últimos anos, nos campos de futebol, foram baleados ou mortos em intensos combates, 300 argentinos. Para esses esquisitos que têm degradado o futebol em cenas de guerras de gangster, Messi é um “pecho frio” (irresponsável). Um cara que "não sente a camisa", dizem os esquisitos fãs.

A casa dos Messi em Rosário foi alvo de tiros. Muros pintados com textos ofensivos para Lionel têm sido vistos na Argentina. Acontece que na seleção argentina Messi parece um jogador banal, já que o futebol é um jogo coletivo e Messi também é composto por seus pares, tanto como um ser humano é formado por ossos e músculos, matéria e espírito. Sabella será que consegue ser o Guardiola de Messi?

"Cara suja, cara suja, cara suja / você veio com a cara sem lavar", diz um tango de Canaro. A denominação, rosto sujo, foi por muito tempo a característica de um tipo de jogador indisciplinado, mas iluminado a partir do qual o futebol argentino fez um mito. Agora Messi mostrou que se pode ir com a cara limpa, sem diminuir a genialidade. "Tudo o que sei sobre a moral eu aprendi jogando futebol", disse Albert Camus. Deste ponto de vista, nunca os argentinos lhe agradeceremos o suficiente o está fazendo Messi por nós.

* Texto original de Alvaro Abos, escritor argentino.

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